Susan Sontag, no seu ensaio sobre fotografia intitulado O Heroísmo da Visão, alerta-nos para os perigos da beleza na fotografia. A fotografia é sempre bela! Mesmo a fotografia que busca revelar uma realidade cruel e dura tem impacto no observador, porque é bela. Esta beleza pode, sobretudo a longo prazo, neutralizar as emoções e comprometer a documentação e o manifesto social, intenções iniciais do fotógrafo.
Nas palavras da autora,
Numa sociedade de consumo, mesmo as fotografias mais bem-intencionadas e devidamente legendadas acabam sempre por revelar beleza. […] As protegidas classes médias das regiões de maior abundância, onde são tiradas e consumidas a maior parte das fotografias, conhecem os horrores do mundo sobretudo através da câmara: as fotografias podem causar e causam angústia. Mas a tendência esteticizante da fotografia é tal que o meio que comunica a angústia acaba por a neutralizar.
Susan Sontag
De facto, são vários os exemplos, no decorrer da história da fotografia, que testemunham a afirmação de Sontag. Esse efeito de neutralização pela estética é tão mais evidente quanto maior for o distanciamento, sobretudo, temporal, mas, também, espacial do acontecimento. Porém, no aqui e agora, no ponto de distância quase nula, a narcotização pelo belo pode ser o mais importante, senão o único, instrumento que permite ver.
Lucas Barioulet é um fotógrafo documentarista francês, sediado em Paris. Barioulet tem feito um trabalho extraordinário na documentação do surto de covid-19 na capital francesa. As fotografias são duras e mostram uma realidade que nenhum de nós jamais esperou ter de ver ou efrentar. Espelham a angústa e o medo que todos partilhamos. Contudo, através do belo, entorpecem as emoções, permitindo que o olhar sobre cada foto se prolongue.
As fotos de Lucas Barioulet sublinham a bizarraria da Esplanade du Trocadérovazia de gente com a Torre Eiffel, ao fundo, vazia de turistas. Revelam o absurdo que é o Cour Napoléon, com o Louvre e a sua pirâmide, privado de visitantes. Delatam o inconsolo que são as exéquias dadas por um padre numa igreja vazia. Testemunham as dificuldades enfrentadas pelos profissionais de saúde, na linha da frente. Desvelam a humanidade da mão de um socorrista que conforta o paciente.
E são belas. Sobretudo são belas. Uma beleza que torna suportável o ato de ver. Uma beleza que quase adormece o vírus do medo que cada um de nós sente no mais intimo do seu ser. Uma beleza que nos permite olhar o sofrimento alheio com a cosnciência da nossa própria vulnerabilidade anestesiada, ainda que desperta.
Ao fotógrafo, perdoa-se o belo, por permitir o olhar.